A cidadania e a diaconia eclesiais do cristão leigo

Tenho um amigo que trata seus interlocutores, inclusive eu, de “cidadãos”. Aceito bem este seu tratamento, pois, afinal, “cidadão” é, antes de tudo, o indivíduo no gozo ou no desempenho de seus direitos e deveres civis e políticos. Por isto, quando falamos em cidadania nossa mente imediatamente nos remete a este significado que está nos dicionários de língua portuguesa. Porém, não é este tipo de cidadania que nos interessa no momento. O que importa aqui é falar da missão do cristão leigo na Igreja como diaconia e como cidadania. Ainda não é muito comum falar disso na Igreja e na sociedade. No entanto, o cristão leigo possui uma dupla diaconia e cidadania: exerce sua dicanoia e sua cidadania no mundo e na Igreja. Em virtude do batismo, participa da tríplice missão de Jesus Cristo: sacerdotal, profética, real; e exerce a sua cidadania ao fazer de sua vida, em união com Jesus Cristo, um culto, um sacrifício espiritual agradável a Deus, oferecendo-Lhe os trabalhos, as atividades, as dores e as alegrias cotidianas. O cristão leigo é, de pleno título, cidadão do Reino de Deus inaugurado por Jesus. Ele deve reproduzir em sua vida as atitudes, os gestos, e as ações de Cristo Bom pastor. 

Gosto muito do que disse Diogneto, na sua carta, escrita cerca do ano 120 d.C: Diz ele: “Os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela terra, nem pela língua, nem pelos costumes. Nem, em parte alguma, habitam cidades peculiares, nem usam alguma língua distinta, nem vivem uma vida de natureza singular (…) Habitando em cidades gregas e bárbaras, conforme coube em sorte a cada um, e seguindo os usos e costumes das regiões, no vestuário, no regime alimentar e no resto da vida, revelam unanimemente uma maravilhosa e paradoxal constituição no seu regime de vida político-social. Habitam pátrias próprias, mas como peregrinos: participam de tudo, como cidadãos, e tudo sofrem como estrangeiros. Toda a terra estrangeira é para eles uma pátria e toda a pátria uma terra estrangeira. Casam como todos e geram filhos, mas não abandonam à violência os recém-nascidos. Servem-se da mesma mesa, mas não do mesmo leito. Encontram-se na carne, mas não vivem segundo a carne. Moram na terra e são regidos pelo céu. Obedecem às leis estabelecidas e superam as leis com as próprias vidas. Amam todos e por todos são perseguidos. Não são reconhecidos, mas são condenados à morte; são condenados à morte e ganham a vida. São pobres, mas enriquecem muita gente; de tudo carecem, mas em tudo abundam. São desonrados, e nas desonras são glorificados; injuriados, são também justificados. Insultados, bendizem; ultrajados, prestam as devidas honras. Fazendo o bem, são punidos como maus; fustigados, alegram-se, como se recebessem a vida. São hostilizados pelos Judeus como estrangeiros; são perseguidos pelos gregos, e os que os odeiam não sabem dizer a causa do ódio”.

Creio estar aqui delineada exemplarmente a diaconia e a cidadania do cristão leigo, seja na sociedade que na Igreja. De fato, o cristão leigo, como membro vivo da Igreja, vive e forma família, atua na política, na ciência, na saúde, na técnica, na comunicação, na administração, na gestão, na educação, na cultura, nas forças de organização da sociedade e nos movimentos sociais e populares. É ele que move o mundo, cria e recria os espaços, os ambientes e as condições favoráveis para a vida no planeta terra. Nestes e em outros ambientes, é verdadeiro cidadão, senhor, gestor, servo e mestre. A vida e a morte, o bem e o mal, o progresso e o desenvolvimento estão em suas mãos. Sem esquecer que é dele a custódia natureza.

Na Igreja, porém, não podemos dizer o mesmo. Embora a maioria dos seus membros seja formada por leigos, a Igreja Católica é também uma Igreja toda ministerial, diferentemente de outras Igrejas, por exemplo, a dos mórmons. Proporcionalmente ao seu número, ainda são poucos os que atuam diretamente, com diaconia e cidadania, nas pastorais, na liturgia, na catequese, na formação cristã, nos sacramentos, na administração, na economia, nas orações, nos grupos, nos serviços e nos organismos; poucos são também os que se destacam nas necessidades comunitárias, nos conselhos, nas visitas, junto aos doentes e na presença pública da Igreja na sociedade. Ao leigo cabe mais a execução que a decisão.

Quando o papa Francisco, na Evangelli Gaudium, nos números 76 a 109, fala das tentações dos agentes pastorais, diz, em sete cenários, coisas muito interessantes para a diaconia e a cidadania do laicato: “não deixar roubar o entusiasmo missionário, a alegria da evangelização, a esperança, a comunidade, o evangelho, o ideal do amor fraterno e a força missionária”. A meu ver, estes são os novos areópagos para o exercício da diaconia e da cidadania eclesiais do cristão leigo. A Igreja poderia contar com a força, a sabedoria, a competência, a missão e a vigilância para o exercício destas sete diaconias e cidadanias do cristão leigo para, enfim, não ver roubados os seus tesouros. Nestes sete cenários, o cristão leigo poderia ser verdadeiro construtor de ponte ao invés de muros, ser sal da terra e luz do mundo, ao invés de ser insípido e nebuloso.

Sentimos que, no momento, há um clima favorável para a retomada desta reflexão. Da parte dos leigos, há um despertar da consciência cidadã do seu protagonismo na Igreja. Da parte dos pastores da Igreja, o fato do laicato ter sido escolhido como tema prioritário na 52ª Assembleia Geral Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que acontecerá dos dias trinta de abril a novo de maio de 2014, em Aparecida – SP, sinaliza bem este mesmo desejo.
A Igreja deve se empenhar, cada vez mais, em promover a vocação do cristão leigo para a construção de um mundo justo e fraterno, alegre e irmão, onde as pessoas tivessem casas, rostos e corações. Deste modo, juntar-se-ão a fome e o alimento, a faca e o queijo, o pão e o vinho para refeição comum na mesa da diaconia e da cidadania eclesiais.

Dom Pedro Brito Guimarães
Arcebispo de Palmas

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