Dom Pedro Brito Guimarães,
Arcebispo de Palmas – TO
Amados discípulos de Emaús (Lc 24,13ss), tenho Sede!
“A graça do Senhor Jesus esteja convosco!” (1Cor 16,23)

A triste partida
“Naquele dia, o primeiro da semana, dois discípulos iam para um povoado, chamado Emaús…” (Lc 24,13)
Amados irmãos, discípulos de Emaús, vocês ainda devem recordar daquela triste partida de Jerusalém a Emaús e de Emaús a Jerusalém, fugindo do ambiente tóxico, no qual o Divino Mestre, Jesus, foi morto e sepultado. Embora algumas mulheres tenham dito que ele ressuscitou, vocês não acreditam (Lc 24,22). Foi por causa da decepção, pela perda da fé ou porque vocês não acreditam em palavras de mulheres? Como permanecer num cenário tão tóxico como aquele? O melhor mesmo era sair, ver outras pessoas e panoramas diferentes, e ir para outro lugar. À maneira de muitos povos migrantes, quando caminham horas e horas, e andam léguas e léguas, comecemos esta nossa conversa, “caminhando, cantando e seguindo a canção…!”
O companheiro de viagem, médico e evangelista, Lucas (24,13-35) deu o seu diagnóstico da doença e da cura de vocês. Ele narra a história da triste partida de vocês como o paradigma da vida cristã e como a parábola da missão, da humanidade, da família, da Igreja, mostrando-nos como são lentos os passos de um processo de esquentamento do coração e de abertura dos olhos. Este itinerário missionário, ocorrido na estrada de Emaús, com duas pessoas desanimadas, que perderam a fé, e que, no fim do processo, fizeram a experiência do Cristo Ressuscitado, e voltaram novamente a Jerusalém. Depois dessa experiência, vocês ficaram totalmente transformadas e voltaram correndo para a comunidade, a fim de compartilhar com ela a experiência vivida no caminho de Emaús.
As perguntas que não podem calar são as seguintes: quem são vocês dois? Dois homens? Cléofas (Lc 24,18) e sua mulher, Maria (Jo 19,25)? A história missionária de vocês se torna a parábola da existência humana e da história da missão da Igreja. É também a história do seu casamento, da sua família, da sua Igreja e da sua sociedade. Trata-se, pois, da história do reencantamento de pessoas em crise, de família em crise, de Igreja em crise, de sociedade em crise, de missão em crise. E ainda a história da cegueira, da frustração, do desânimo, da derrota, do cansaço, da amargura e do desespero. Em outras palavras, são os sinais de doenças mentais de quem vive mergulhado em suas frustrações, com o coração insensível e com olhos fechados ao novo. Sem dúvida, a crucificação de Jesus foi o ponto focal dessa dispersão de vocês. Sair de Jerusalém significou fugir do confronto que levou Jesus à cruz. No entanto, o Ressuscitado esquentou os corações de vocês, com a Palavra, fez os olhos de vocês se abrirem ao partir o pão. É que a Palavra esquenta o coração e a Eucaristia abre os olhos. E os dois juntos enviam em missão.
Esta viagem de vocês é uma verdadeira viagem missionária. Passa por todos os passos, as fases, os fatos, os atos, as atitudes e as formas da espiritualidade missionária. Jesus tocou nas feridas vivas dos corações e dos olhos de vocês. E os curou, melhor, os salvou. Cuidar dos corações despedaçados e dos olhos lagrimosos e fechados é a nossa missão.
Com vocês, missionários de Emaús, a triste partida se transformou em alegre retorno.
Passagens das distâncias geográficas para as presenças existenciais
O que foi? (Lc 24, 19). “De que vocês estão falando?” (Lc 24,17)
Amigos discípulos, vocês devem estar se perguntando: anos perdidos? Tempos empregados inutilmente? Energias gastas à toa? Erramos de vocação? Confiamos demais? Tudo bem. É até compreensível. Mas vocês devem saber que a história de vocês é, em síntese, a história da missão da Igreja e de seu programa missionário. Vocês devem estar lembrados de que na hora do desespero Jesus se aproxima e começa a caminhar com vocês. E que no meio de vocês, no lugar da desolação, do desespero, da tristeza, mesclada de desânimo, pungente e dilacerante, brilha uma Luz no fim do túnel. Duas simples perguntas do novo companheiro de viagem foi o bastante: – “O que foi” (Lc 24,19); – “De que vocês estão falando?” (Lc 24,17). Tais perguntas fizeram vocês parar e refletir. Somos, de fato, todos sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram (Lc 24,25). Este é o diagnóstico que Jesus fez da vida e da missão de vocês.
Alguns anos atrás quando se falava em “terra de missão” se pensava logo nos lugares distantes e pobres da América Latina, da África e da Ásia. E quando se falava de missionário se pensava logo em alguém que saía de sua terra e levava Jesus aos pagãos, distantes de nós. Embora ainda exista este tipo de visão, hoje, felizmente, a compreensão de missão e de missionário mudou muito: missionário é Jesus; missionária é a Igreja, a vida, o amor, a paz…; missionária é a realidade em que vivemos, cheia de particularidades, de complexidades e de situações desafiantes, que até contradiz o Reino de Deus. Diferentemente de tempos atrás, missão hoje não é só questão de distância geográfica, e sim de presença existencial. Diferente do tempo de vocês, a percentagem de católicos diminui a cada ano. Aumenta, cada vez mais, o número dos “desigrejados”, dos que se convertem a outras igrejas, dos afastados, sem religião, ou simplesmente dos que se dizem ateus. Sem que se perceba, Deus está sendo expulso da vida das pessoas e das cidades.
Missão é paradigmática e programática, diária, contínua e permanente. Nela a pessoa, a comunidade e a sociedade passam de receptores, de objetos, a sujeitos e a destinatários da missão. Missionário não é mais quem leva, mas quem recebe o Evangelho. Missionários são os afastados, os indiferentes religiosamente, os sem religião, descrentes ou ateus. São pessoas como vocês, discípulos de Emaús, que são missionários e sujeitos da missão.
Agora está claro que a história de vocês, discípulos de Emaús, é contada para mostrar-nos que a vida é missão, que Jerusalém e Emaús são terras de missão, assim como é terra de missão a nossa casa, a nossa família, nossa cidade, nossa paróquia, nossa diocese. Todos os lugares são terras de missão.
Com vocês, missionários de Emaús, as distâncias geográficas se tornam presenças existenciais.
Investir em novos missionários
“Como vocês são sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram!” (Lc 24,25)
Caros irmãos, somos mesmo sem inteligência e lentos para crer em todas essas coisas, sobretudo, na missão. Investimos muitos esforços e muito dinheiro em projetos que decididamente não são missionários. São mais atividades de manutenção e devocionais, às vezes, até contrários e arredios à missão. No encontro e na experiência de vocês com o Mestre, Jesus, emergiu, no recôndito da alma de vocês, um alívio das dores, derreteu os corações e afogou os seus desânimos. Ele nos fez lembrar que se faz necessário identificar e investir em novos missionários. Quem serão estes novos missionários? Todo o povo de Deus é missionário: uma vez batizado, sempre discípulo; uma vez discípulo, sempre missionário. Há também pessoas e grupos que ainda não foram tocados pela missão: as gestantes, os namorados e os noivos, os padrinhos de batismo e de crisma, as testemunhas de casamento, os fiéis só praticantes, as secretárias paroquiais, empregadas domésticas, os doentes, os avós e idosos, os coroinhas, as crianças, os adolescentes e os jovens da catequese da primeira eucaristia, da crisma e dos grupos vocacionais etc.
São estes os novos missionários. Alguns desses estão, como vocês, fugindo de espaços e de situações tóxicas, como em Jerusalém. Jerusalém é a imagem da Igreja quando não cumpre bem a sua missão. Jerusalém é aqui e agora. Mas, é preciso retornar a esta Jerusalém decepcionada e refazer com ela o encantamento perdido. O Papa Francisco, atento a esta urgência missionária, criou e instituiu os ministérios de leitor, de acólito e de catequista. E a Arquidiocese de Palmas criou o ministério dos Guardiões Ecológicos. Em muitas das nossas realidades estes novos ministérios ainda não saíram do papel.
Com vocês, missionários de Emaús, Jesus investiu em novos missionários.
Missionar as estruturas eclesiais
“Fica conosco, Senhor!” (Lc 24, 29)
Caros amigos caminheiros, assim termina a primeira parte desta viagem e começa uma nova estação. O trem da chegada é o mesmo trem da partida. Missão só termina no céu. Continuar a viagem, ficar novamente a sós fará reaparecer e reacender o sofrimento, a tristeza e a dor. Por isso, o insistente pedido de vocês ao Mestre: “fica conosco, Senhor”! Vocês ainda não reconheceram Jesus plenamente, mas a ele fez bem a sua companhia. Os corações de vocês já experimentavam a alegria quando o Mestre lhes falava. Reconhecer a Jesus é um processo. O companheiro do caminho para Emaús não abandonou vocês. Aceitou o convite e ficou com vocês. Com isso vocês nos ensinam que a comunidade se torna missionária quando se converte em uma comunidade que caminha e fica na presença do Ressuscitado.
Portanto, é preciso aceitar a ideia de que vivemos em terra de missão e que nos resta missionar as estruturas eclesiais. Nesta nova compreensão missionária, as casas, as obras sociais, as questões ecológicas, os serviços sociais, os cursos para pais e padrinhos, os encontros para noivos, as pastorais e os movimentos eclesiais, os movimentos de casais, os ministérios, os conselhos comunitários, os boletins informativos, os murais, os programas de rádio, os sites, as mídias e as redes socais e outros meios de comunicação devem ser vistos sob a ótica missionária.
Amados discípulos de Emaús, o pedido de vocês é o nosso pedido: fica conosco, Senhor, pois, já é tarde e a noite, também para nós, está chegando!
Com vocês, missionários de Emaús, as estruturas e as formas caducas de ser e de agir se transforam em novas vivências e experiências eclesiais e espirituais.
Eleger os territórios específicos da missão
“Neste momento os seus olhos se abriam, e eles o reconheceram” (Lc 24,31)
Caros companheiros missionários, finalmente nossos corações se aqueceram e nossos olhos se abriram. Aprendemos com vocês que a Palavra esquenta o coração e o Pão abre os olhos. Agora, sim, chegamos ao ponto focal do discipulado e da espiritualidade missionária. No momento em que Jesus explica as Escrituras, vocês O convidam para ficar com vocês. E no momento em que Jesus reparte o pão, vocês se tornaram missionários, mensageiros desta boa nova. Depois que o Mestre se revelou no partir do pão, na Eucaristia, vocês adquirem um novo olhar, uma nova motivação, uma nova luz no horizonte. Que bom que vocês nos ensinam que a Palavra e o Pão desarmam os corações e abrem os olhos. A vida de viajantes, atravessada pela escuridão da noite, pela dor e pelo sofrimento, é agora atravessada pela luz da Palavra, da Eucaristia, ou seja, da Páscoa do Ressuscitado.
A leitura orante da Palavra e a partilha do Pão são as fontes da espiritualidade missionária. Como sabemos, a terra inteira é terra de missão. No entanto, em muitos territórios esta missão ainda não foi plenamente realizada. É preciso, então, tomar uma providência importante e urgente: eleger novos territórios, específicos de missão. Em toda comunidade eclesial existe esses territórios que precisam ser missionados: novos setores e bairros, escolas, lugares públicos (praças, estádios, hospitais etc), espaços vazios, o mundo das redes sociais e das mídias virtuais. Exatamente por serem territórios especificamente missionários devem ser priorizados e começar a missão por eles.
Com vocês, missionários de Emaús, foram eleitos novos territórios específicos da espiritualidade missionária.
Uma grande decisão: tomar pílulas de ações missionárias permanentes
“Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém” (Lc 24,33)
Adoráveis caminheiros, vocês nos ensinaram que missão sempre nasce de um encontro pessoal com Jesus Cristo, vivo e vencedor. Vocês também nos ensinam que o Evangelho de Jesus não termina na sexta-feira santa, com Jesus, morto e sepultado. Embora, como diz o Papa Francisco: “há muitos cristãos que parecem ter escolhido uma quaresma sem páscoa” (EG 6). “Um evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral” (EG 10). Ele continua, depois da paixão, com a Páscoa da ressurreição, atual, perene e permanente. Através da páscoa, fachos de luz iluminam a Cidade Santa, a nova Jerusalém, e afugentam as trevas do mundo. Assim também é a missão: é perene, contínua, permanente, cotidiana, termina aqui, começa ali. Era preciso voltar a Jerusalém e iluminá-la com as luzes pascais.
Ninguém nasce cristão, católico, missionário, mas se forma cristão, discípulo, missionário. Na missão, uma das primeiras tarefas é formar e criar a identidade missionária. Vocês, nessa caminhada missionária, adquiriram esta identidade missionária. Isto também deve acontecer conosco. A missão que a Igreja realiza – nos retiros, nos cursos, nas visitas, nos mutirões, na leitura orante da Palavra de Deus, nas obras sociais, nas festas e nas atividades educacionais, nas semanas missionárias etc – devem ajudar na descoberta e na configuração desta identificação e fazer surgiu esta nova figura de cristão: ministro missionário. Hoje é comum as pessoas se apresentarem, dizendo: “sou missionário”! Estas pessoas, sem querer estão reproduzindo Aparecida (DA 144, 214, 251, 291, 373). Aprendemos, com isso, que a Igreja cresce e amadurece à medida que cresce e amadurece a consciência missionária. Missão não é uma abstração. A missionariedade não é uma iniciativa nossa; é consequência do mandato missional de Jesus ressuscitado.
Com vocês, missionários de Emaús, novas pílulas da espiritualidade missionárias foram receitadas e tomadas.
Caminhar com base numa espiritualidade missionária ruática
“Realmente o Senhor ressuscitou!” (Lc 24,34)
Companheiros missionários, a história missionária de vocês, como dissemos, é a parábola da existência humana e da missão. Não é, nem nunca será, uma história do passado Emaús, mas será, hoje e sempre, até o fim dos tempos, a história missionária da Igreja. Devemos, enfim, aprender com vocês o que é espiritualidade missionária, caminhando com o Mestre, ouvindo-O e agindo como Ele. Infelizmente, os barcos da nossa missão estão ancorados e instalados. É preciso desancorá-los e desinstalá-los. E só serão desinstalados mediante uma mística e uma espiritualidade missionárias ruáticas, no duplo sentido: que provenha do Espírito Santo e que seja feita na rua. Missão ruática é missão na rua, guiada pelo Espírito. Quando se fala em espiritualidade, entende-se logo que se fala do Espírito. Espiritualidade é viver segundo o Espírito. “O que nasceu da carne é carne; o que nasceu do Espírito, é espírito” (Jo 3,5). “Todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8,14). “Com efeito, Deus não nos deu um espírito de covardia, mas de fortaleza, de amor e de moderação” (2Tm 1,7).
Fraternos missionários, vocês nos mostram que ninguém pode ser missionário sem uma forte carga de energia interior, sem uma adesão profunda e apaixonada a Jesus Cristo. Não é possível ser discípulo missionário de Jesus sem uma profunda experiência de Deus. Não somos nós que fazemos experiência de Deus. É Deus que faz a sua experiência em nós.
Aparecida, sobretudo os Capítulos 3 e 6, descreve o itinerário completo desta espiritualidade missionária. Nestes textos, o encontro pessoal com Jesus Cristo, através da Palavra e do Pão, está na base desta espiritualidade. Descobrir o Evangelho na vida cotidiana, através da leitura orante, é descobrir o tesouro precioso de graça e de bênção que faz encher de sentido a vida cristã, até transbordar de alegria. Na missão, é “preciso desbordar”, como nos diz o Papa Francisco. Em Aparecida a missão é um novo Pentecostes para nos livrar do cansaço, da desilusão e da acomodação (DA 362). Para quebrar esta moleza, Aparecida fala de ousadia e de três audácias: audácia apostólica, evangelizadora e audácia missionária. Só podemos nos desinstalar do comodismo, do estancamento e da tibieza, por meio destas audácias.
Portanto, amados missionários, “conservemos a doce e confortadora alegria de evangelizar (…) não através de evangelizadores tristes e desalentados, impacientes ou ansiosos, mas através de ministros do Evangelho, cuja vida irradia o fervor de quem recebeu, antes de tudo em si mesmo, a alegria de Cristo…” (DA 552).
Obrigado, porque vocês nos ensinaram com esta maravilhosa história da espiritualidade missionária ruática. Muito agradecido, porque a vida de vocês é missão; que a busca do sentido da vida é uma missão; que ninguém vive sem sentido; que ninguém vive sem missão; que missão se faz com base em uma espiritualidade missionária ruática. Fiquem com Deus.
Com vocês, missionários de Emaús, se concretizou a espiritualidade ruática, no seu duplo significado.
Amados discípulos de Emaús, “amo a todos vocês em Cristo Jesus!” (1Cor 16,24).